terça-feira, 13 de novembro de 2012

Deísmo: o universo mecânico

 
I. Apresentação do deísmo
I.1. Observações preliminares
- Definição: religião racional:
  • “Doutrina de uma religião natural ou racional não fundada na revelação histórica, mas na manifestação natural da divindade à razão do homem.” (Abbagnano, Dicionário de filosofia, p. 238). 
- Surge no interior do Iluminismo:
  • “O D. é um aspecto do Iluminismo, de que faz parte integrante.” (Abbagnano, Dicionário de filosofia, p. 238)
  • Colin Chapman, Cristianismo: a melhor resposta: “Carl Becker, sumariando crenças típicas a respeito do homem no século XVIII:
1.    O homem não é nativamente depravado;
2.    O fim da vida é a própria vida, a boa vida sobre a terra, ao invés da vida beatífica depois da morte;
3.    O homem é capaz de, guiado exclusivamente pela luz da razão e da experiência, aperfeiçoar a boa vida na terra; e
4.    A primeira condição essencial para a boa vida na terra é a liberação das mentes dos homens das peias da ignorância e da superstição, bem como de seus corpos da opressão arbitrária das autoridades sociais constituídas.” (p. 99)
 - Obra principal do Deísmo inglês:
  • John Toland (1670-1722), Cristianismo sem mistérios (1699)
 - Voltaire usa a palavra “teísmo”
 - Distinção estabelecida por Kant.
 - Teses fundamentais do Deísmo:
  • 1ª. “a religião não contém e não pode conter nada de irracional (tomando por critério de racionalidade a razão lockiana e não a cartesiana)”
  • 2ª. “a verdade da religião revela-se, portanto, à própria razão, e a revelação histórica é supérflua”
  • 3ª. “as crenças da religião natural são poucas e simples: existência de Deus, criação e governo divino do mundo, retribuição do mal e do bem em vida futura.” (Abbagnano, Dicionário de filosofia, p. 238)
 - No que tange ao conceito de Deus, nem todos os deístas estavam de acordo:
  • Ingleses: “atribuem a Deus não só o governo do mundo físico (a garantia da ordem do mundo), mas também o do mundo moral” (Abbagnano, Dicionário de filosofia, p. 238)
  • Franceses: “a começar por Voltaire, negam que Deus se ocupe dos homens e lhe atribuem a mais radical indiferença quanto ao seu destino” (Abbagnano, Dicionário de filosofia, p. 238)
  • Caso peculiar: Rousseau: “a “religião natural” de Rousseau é uma forma de D. mais próxima da inglesa porque atribui a Deus também a tarefa de garantir a ordem do mundo” (Abbagnano, Dicionário de filosofia, p. 238)
 - Sua peculiaridade com relação ao teísmo:
  • Negação da revelação
  • “redução do conceito de Deus às características que lhe podem ser atribuídas pela razão.” (Abbagnano, Dicionário de filosofia, p. 238)
  • Conferir Kant, Crítica da razão pura: Dialética, cap. III, seç. VII:
“O deísta representa, por um tal objecto [Deus], apenas uma causa do mundo; o teísta, um autor do mundo.” (p. 525)
“o deísta crê num Deus, ao passo que o teísta crê num Deus vivo.” (p. 526)
 
 I.2. Teses principais
- Teria surgido enquanto reação às querelas teológicas intermináveis do século XVII:
  • “Após décadas de extenuantes discussões, eclesiásticos luteranos, puritanos e anglicanos poderiam muito bem ter olhado novamente para os pontos de concordância.” (p. 56)
 - O Deísmo nega a revelação especial:
  • “o deísmo nega que Deus pode ser conhecido pela revelação, por atos especiais da autoexpressão, por exemplo, na Escritura ou na encarnação.” (p. 58)
  • “o deísmo passa a ver Deus apenas na “natureza”, termo pelo qual se entendia como o sistema do universo.” (p. 59)
 - Deus enquanto relojoeiro:
  • “E, uma vez que o sistema do universo era visto como o mecanismo de um imenso relógio, Deus passa a ser visto como o relojoeiro.” (p. 59)
  • Conferir Chapman, pág. 30.
 - Não formou propriamente uma escola de pensamento:
  • Muitas são as divergências entre eles.
  • Alguns eram hostis ao cristianismo, outros não.
  • Alguns acreditavam na imortalidade da alma, outros não.
  • Alguns acreditavam em um Deus pessoal, outros não.
 - Proposições básicas:
  1. Um Deus transcendente, como primeira causa, criou o universo, mas então, o deixou funcionar por conta própria. Deus é, portanto, não imanente, não totalmente pessoal, não soberano sobre os assuntos humanos e não providencial.
·         “Em essência, o deísmo reduz o número de características que Deus revelou.” (p. 60)
·         Primeira causa – resolve assim o problema da regressão ao infinito.
·         Ele não se importa com a criação – não a ama.
·         Solitária condição da humanidade.
 
  1. O cosmo criado por Deus é determinado, pois foi criado como uma uniformidade de causa e efeito em um sistema fechado; nenhum milagre é possível.
·         O universo é fechado ao reordenamento divino.
·         O universo é fechado ao reordenamento humano – ainda que não o admitam, ficamos impossibilitados de modificar o nosso meio ambiente.
·         Conferir Terras das sombras:
a.    Sobre C. S. Lewis
b.    Anthony Hopkins e Debra Winger
c.    Passagem ambígua
·         Conferir Cândido.
a.    Deus está ausente na história. Não intervém.
b.    Hesitações: sofrimento no seio da história e sociedade.
 
  1. Os seres humanos, embora pessoais, fazem parte do mecanismo do universo.
·         Somos seres pessoais: dotados de autoconsciências.
·         Mas fazemos parte do mecanismo da natureza.
·         Disso decorre a falta de significância da existência humana – não podemos alterar a ordem na qual nos encontramos.
·         Tributam aos seres humanos:
a.    Inteligência e racionalidade
b.    Moralidade
c.    Capacidade comunitária e de criar
·         Mas tais características “não estão alicerçadas no caráter de Deus” (p. 63)
·         “Os seres humanos são o que são: eles possuem parcas esperanças de se tornar algo diferente ou maior.” (p. 63)
 
  1. O cosmo, este mundo, é compreendido como estando em seu estado normal; ele não é decaído ou anormal. Podemos conhecer o universo e por meio de seu estudo determinar como Deus é.
·         O mundo permanece essencialmente tal como Deus o criou.
·         Os homens possuem capacidade de conhecer o mundo.
·         Logo, podem conhecer Deus a partir do estudo do universo.
·         Sl 19.1: “Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos.”
·         Para os teístas Deus também se revelou em palavras e em Jesus.
 
  1. A ética é restrita à revelação geral; pelo fato de o universo ser normal, ele revela o que é certo.
·         Torna-se indistinguível o bem e o mal.
·         A ética desaparece.
·         “o deísmo passa a ser uma cosmovisão impraticável, pois ninguém consegue viver por ela.” (p. 67)
·         Inconsistentes – pois não reconhecem as consequências das suas proposições.
 
  1. A história é linear, pois o curso do cosmo foi determinado na criação.
·         A história não se marca pelas intervenções de Deus.
·         Busca por regras gerais, não pelas ações específicas observadas na história.
 
II. Avaliação
 
- Algumas incongruências internas:
  1. Na ética, a suposição de um universo normal e não decaído tendia a implicar que seja o que for é certo. Se isso for verdade, então, nenhum espaço é deixado para um conteúdo nítido da ética. Não obstante, os deístas se mostravam muito interessados pela ética, constituindo essa a única divisão do ensinamento cristão que lhes era mais aceitável. 
  1. Na epistemologia, a tentativa de argumentar do particular para o universal redundou em fracasso, pois seria preciso uma mente infinita para reter os detalhes necessários a uma generalização precisa. Nenhuma mente é infinita. Portanto, como o conhecimento universal é impossível, e os pensadores eram deixados com um relativo conhecimento, eles acham isso de difícil aceitação. 
  1. Em relação à natureza humana, uma pessoa não pode manter significância e personalidade diante de um universo fechado ao reordenamento. A significância humana e o determinismo mecânico são parceiros incompatíveis. 
- Outros problemas:
  • Cientistas abandonaram a imagem do universo como um relógio.
  • Se os homens tem personalidade, o seu criador também não a teria?
- Somos teístas. Precisamos então praticá-lo.
 
- Salmo 18.1-16: Nosso Deus intervém em nossas vidas e em nossa história. Amém.
 
 
 

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