quarta-feira, 28 de novembro de 2012

MARCO ZERO: NIILISMO.


 Introdução

- Mais um sentimento, que uma filosofia:

  • “Sendo mais preciso, o niilismo, de forma alguma, é uma filosofia, mas uma negação dela, da possibilidade de conhecimento e de tudo aquilo que possui valor.” (p. 109)
- O termo “niilismo”:

  • Nihil: nada.
 - Gratuidade e negação:

  • “o niilismo é a negação de todas as coisas – conhecimento, ética, beleza, realidade. No niilismo nenhuma afirmação possui validade; nada tem significado. Antes, tudo é gratuito, dispensável, isto é, apenas existe.” (p. 110)
- Sentimentos associados a essa cosmovisão:

  • Ansiedade
  • Desespero
  • Tédio
- Filme Imensidão azul:

  • A beleza da paisagem não conforta, não concede significado satisfatório.
  • Gratuidade e sofrimento.
  • A imensidão é a metáfora de uma totalidade cuja significação íntima nos escapa.
- Conferir Alister Macgraith: formas pelas quais o cristão relaciona-se com a cultura:

  • Afastamento radical
  • Incorporação acrítica
  • Apreciação crítica: “reter o que é bom”.
è Apenas assim estaremos em condições de contribuir enquanto cristãos.


- Rosa intui o cerne da fragilidade do processo de significação:

  • “Nada pega significado em certas horas” (Grande sertão).

- Na arte, nenhuma obra seria completamente niilista. Incorpora, é certo, alguns dos seus elementos. Mas ao consubstanciar-se enquanto objeto, já nega a negação radical niilista.

  • Conferir “A fonte”, de Marcel Duchamp
"Como você sabe, eu gosto de ver o lado intelectual das coisas, mas não gosto da palavra “intelecto”. Para mim, intelecto é uma palavra seca demais, inexpressiva demais. Gosto da palavra “crença”. Geralmente quando as pessoas dizem “eu sei”, elas não sabem, elas acreditam. Bem, quanto a mim, acredito que a arte é a única atividade do homem em que ele se mostra de fato um ser capaz de ultrapassar sua condição animal. A arte é uma forma de fugir para regiões não governadas pelo espaço e pelo tempo. Viver é acreditar, essa é a minha crença." (TOMKINS, C. Duchamp – uma biografia. São Paulo: Cosac e Naify, 2004, p. 437)

Esperando Godot, de Samuel Beckett.

- Angústia do vazio humano, numa época deprimente.

- O niilismo seria consequência do naturalismo:

  • Hipótese razoável, mas não inteiramente satisfatória.

I. A primeira ponte – necessidade e acaso

- Retomando algumas proposições peculiares ao naturalismo:

  • “a matéria existe eternamente e é tudo o que há”
  • “o cosmo opera como uma uniformidade de causa e efeito em um sistema fechado”
- Consequências:

  • “Isso significa que o ser humano é parte de um sistema.” (p. 114)
  • Segundo Nietzsche, isso implica a perda de dignidade do homem.
- Dificuldade de articulação entre liberdade e naturalismo:

  • “Ao tempo em que indaguei se era livre para agir conforme desejasse, já estava tão moldado pela natureza e pela minha educação que o próprio fato de a questão ter surgido em minha mente foi determinado. Isto é, o meu eu foi determinado por forças externas.” (p. 116)
  • “Nietzsche está certo: “O delírio do homem sobre si mesmo, sua suposição de que o livre-arbítrio existe, também faz parte do mecanismo de cálculo.” (p. 116)

- Se o universo é fechado:

  • “então a sua atividade pode apenas ser governada por dentro.” (p. 116)

- A liberdade torna-se assim em problema:

  • “Para uma pessoa comum, o determinismo não parece ser problema. Em geral, percebemo-nos como agentes livres, porém a nossa percepção é uma ilusão. Apenas não sabemos qual a “causa” que nos levou a decidir.” (p. 117)
- O ser humano é parte dessas forças impessoais do universo.

  • Assim, não há espaço para responsabilidade moral.
  • “A sua “vontade” é a vontade do cosmo.” (p. 118)
  • Alguns desses elementos estão presentes em nosso cotidiano, quando estamos sempre em busca de condicionamentos atenuadores das nossas ações.
  • O ser humano é assaz complexo. Compreendê-lo implica recusar a hipótese de uma ação inteiramente livre de condicionamentos. Mas a abolição completa da responsabilidade é não menos limitadora. A questão posta em toda a sua dramaticidade é esta: há condicionamentos, mas ainda assim somos responsáveis por nossas escolhas.

- Consequência para os niilistas:

  • “Os seres humanos são máquinas conscientes sem a capacidade de afetar os seus próprios destinos ou realizar algo significativo; portanto, os seres humanos como seres de valor estão mortos. A vida deles é o “fôlego” da peça de Beckett, não a vida que Deus “soprou” no primeiro homem, no jardim do Éden (Gênesis 2.7).” (p. 119)

- O “gatilho” do acaso:

  • Afastamento de qualquer finalidade maior.
  • “O acaso é sem causa, sem propósito e sem direção. É um inesperado gratuito – gratuidade encarnada em tempo e espaço.” (p. 120)
  • “O acaso abre o universo não para a razão, o sentido e o propósito, mas ao absurdo.” (p. 120)
  • Se é assim, não contradiz os princípios mesmos da evolução?

II. A segunda ponte: a grande nuvem do desconhecido

- O problema do niilismo epistemológico:

  • “o naturalismo nos coloca como seres humanos em uma caixa. Porém, para termos qualquer confiança de que nosso conhecimento sobre estarmos dentro de uma caixa é verdadeiro, precisamos nos posicionar fora da coisa ou receber essa informação de qualquer outro ser fora da caixa (os teólogos chamam a isso de “revelação”). Ocorre que não há ninguém fora da caixa para nos fornecer revelação, e não podemos transcender a caixa. Por conseguinte, niilismo epistemológico.” (p. 125)

- Um problema também lógico: como posso saber que não sei? Como provar que o conhecimento é impossível, a não ser pelo conhecimento?


III. A terceira ponte: ser e dever

- A maioria dos naturalistas não é imoral. O problema não é este, e sim o de que lhes falta fundamento para a sua “crença”.

- O naturalista trata do que é. Mas a base da moralidade é normativa – o que deve ser. Como fundamentar este segundo nível?
- O relativismo cultural e a confusão entre ser e dever ser:

  • Problema: os rebeldes. Por que o seu ser não deveria aceitar-se?
- Falta de critérios para julgar os conflitos de valores:

  • “O naturalismo nos coloca como seres humanos em uma caixa eticamente relativa. Para conhecermos que valores dentro daquela caixa são valores reais, necessitamos de uma medida a nós imposta de fora da caixa; precisamos de um prumo moral por meio do qual seja possível avaliar os valores morais conflitantes que observamos em nós e nas demais pessoas. Contudo, não há nada fora da caixa; não existe nenhum prumo moral ou qualquer padrão de valor imutável e supremo. Logo: niilismo ético.” (p. 130)
IV. A perda de significado

- Estamos imersos num universo impessoal.

- Conferir Blade runner: o caçador de androides:

  • O encontro com o criador não é nada animador.
  • Ainda assim, o caçador é salvo pelo androide Roy, que não resiste, e concede misericórdia no final. Mas não parece um ato heroico, e sim algo resignado e triste.
  • Todos parecem em busca do caminho de casa, mas incertos quando ao destino a seguir.

- Nietzsche, morte de Deus e relativismo:

  • “Não há fenômenos morais, apenas uma interpretação moral dos fenômenos.” (Além do bem e do mal)
- Se fossem consistentes, os naturalistas deveriam assumir o niilismo. Mas recusam-se a fazê-lo.

 V. Tensões internas no niilismo

- Não é possível viver uma vida consistente com o niilismo.
- Razões pelas quais o niilismo impossibilita a vida:

  1. “Nada procede da falta de significado, ou melhor, qualquer coisa procede.” (p. 134)

  • Pode-se responder à falta de sentido mediante qualquer ação.
  • Mas qualquer escolha de ação, já implica ajuizamento e valoração, assim negando os pressupostos do niilismo.

  1. “Toda vez que os niilistas pensam e confiam em seu pensamento, eles estão sendo inconsistentes, pois têm negado que aquele pensamento possui valor ou que pode levar ao conhecimento.” (p. 135)

  • Autocontradição: “não existe significado no universo”. Então nem mesmo esta frase tem significado.

  1. “para se negar a Deus é preciso haver um Deus para ser negado. A fim de ser um niilista praticante, deve haver algo contra o qual batalhar. Tal niilista praticante é um parasita em significado. Ele fica sem energia quando não se há mais nada a ser negado.” (p. 136)


  1. “A quarta razão é que o niilismo significa a morte da arte.” (p. 137)

·         Uma contradição: parte da arte moderna acolhe em seu interior precisamente o niilismo.

·         A estrutura artística já implica um significado, e portanto, uma recusa, em última instância, ao niilismo.

·         “se um trabalho artístico for dotado de estrutura, ele possui significado e, portanto, não é niilista.” (p. 137)


  1. “o niilismo apresenta severos problemas psicológicos. As pessoas não conseguem viver com isso porque o niilismo nega o fato de que cada fibra de seu ser desperto clama por sentido, valor, significância, dignidade, valia.” (p. 138)
- “Ninguém que não tenha investigado o desespero dos niilistas, ouvida suas palavras, sentido o que eles sentiram – mesmo vicariamente, por meio de sua arte – consegue entre o século passado.” (p. 138-9)

  • Necessitamos conceder a devida atenção aos niilistas: seu clamor é intenso.
- Exame da contribuição de Ernesto Sábato em Antes do fim.

- Nosso mundo parece menos sensível a argumentos:

  • Precisamos tê-los, obviamente.
  • Mas também muita sensibilidade.
  • Sabedoria.
- Há questões em aberto:

  • O niilismo ativo de Nietzsche, por exemplo.
  • Também a provocação nietzschiana de que o niilismo proviria do próprio cristianismo.
  • Para muitos outros, proviria do próprio desenvolvimento do capitalismo e da técnica.
  • É necessário revisitar clássicos do pensamento brasileiro (Oswald de Andrade, Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Guimarães Rosa).
  • Sem isso, nosso quadro será deficiente.

 

 

 

 

 

 

 

 

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